domingo, junho 15, 2008
segunda-feira, junho 09, 2008
Black Rebel Motorcycle Club
La Trastienda (Buenos Aires) – 04/04/2008
Quando surgiu na mídia em 2001, a banda de San Francisco (EUA) tinha os elementos necessários de apelo jovem pra embarcar de carona no sucesso dos Strokes: o nome tirado de gangue de cinema (O Selvagem, de 1953), o visual largado e dark e dois singles que concentravam em seus riffs a nata do rock: Red Eyes And Tears e Whatever Happened To My Rock n’ Roll. No entanto, por terem influências de bandas como The Jesus & Mary Chain, o som neopsicodélico em todo o resto do álbum de estréia acabou atraindo um público essencialmente mais velho e não tão suscetível ao hype. Os mesmos argumentos também foram utilizados pelos detratores, que preferiram enxergar nela uma falta de originalidade, o que soa injusto e desmedido nesta década que vem primando pela existência em massa de bandas derivativas.
Desembarcando na Argentina ainda na turnê de “Baby 81”, seu mais recente e coeso álbum, em que conseguem sintetizar todas as influências dos três anteriores, tanto a lisergia do primeiro quanto o pop radiofônico do subestimado “Take Them On, On Your Own” e o lado mais-Dylan-do-que-Reid do criticamente aclamado “Howl”, o BRMC vem com fôlego renovado, com o baterista Nick Jago reintegrado à banda depois de uma temporada em clínicas de reabilitação e aptos a mostrar ao público portenho sua mistura empolgante de rock de garagem, blues, folk e gospel.
Com o câmbio extremamente favorável ao real frente ao peso argentino (cerca de 1,80 a cotação peso/real), o ingresso de 150 pesos saiu quase de graça para um show deste calibre. A possibilidade de ver a banda de perto num clube pequeno tornou-se ainda mais palpável diante da lotação da casa, que, à primeira vista, ultrapassava pouco mais da metade de sua capacidade (700 pessoas). Este seria o meu terceiro show da banda e já tinha noção do quanto o Black Rebel tem mais força em lugares menores.
Com apenas 10 minutos de atraso, a banda pisou no palco. Os gritos que se seguiram e o acompanhamento em uníssono desde os primeiros acordes de Love Burns, música de abertura, já davam a crer que a platéia estava na mão. E foi exatamente com esse espírito de jogo ganho que o BRMC incendiou o La Trastienda. Em seguida, com a dançante Berlin, começaram a ditar o ritmo do que seriam as 24 músicas do setlist. O baixista e vocalista Robert Levon Been assume pela primeira vez a posição quase messiânica que repetirá à exaustão durante toda a apresentação, debruçado sobre o microfone como um legítimo crooner dos anos 50. Durante músicas mais introspectivas, como In Like The Rose e Awake, as luzes que se projetam do fundo do palco, varando a cortina de fumaça artificial e só lhe deixando a silhueta do corpo franzino e do topete, acusam uma imagem bem conhecida e dão voz aos detratores: The Jesus & Mary Chain, impossível não pensar em outra coisa. Já Peter Hayes prefere se recolher nas sombras com suas guitarras que passa o show trocando e a gaita que toca ocasionalmente, como em Shuffle Your Feet e Ain’t No Easy Way. Nick Jago... bom, Nick Jago tenta a todo custo acompanhar o ritmo acelerado que ambos impõem e o sustenta com competência todo o tempo, mesmo sendo visivelmente o único da banda sob efeito de alguma substância.
Trocando de lugar e instrumentos, Robert e Peter executam American X, música do “Baby 81” que também dá nome ao recente EP com sobras de estúdio, em versão mais longa, como uma extensa jam session, o que também se repetiria por ainda mais tempo no show do Quilmes, dois dias depois. Na platéia, permaneço admirado ao lado de minhas duas companheiras do Brasil e observo o público misto. Há o casal de gays quarentões que têm um programa de rádio na Internet. Os namorados com figurino indie estereotipado que não conheciam a banda direito. O grupo que veio do Chile de caminhão, uma verdadeira jornada. Todos, sem exceção, maravilhados com a apresentação à sua frente, que pede a utilização dos mais variados clichês narrativos, adjetivos como “visceral” e substantivos como “catarse”. Não seria exagerado o seu uso. Tampouco seria impróprio o famoso grito de bêbado por “rock n’roooooll!!!!!”, já que é sua própria essência que vemos a banda destilar.
Robert pega o violão e dedica Restless Sinner para os caminhoneiros chilenos e sua saga admirável. A essa altura, o show já virou uma confraternização entre amigos. Nem mesmo a repetitiva 666 Conducer consegue diminuir os ânimos. A seqüência final antes do bis, começando com Spread Your Love, fez com que Need Some Air, em seguida, refletisse o desejo do público já sem fôlego. Six-Barrel Shotgun teve versos de Leonard Cohen declamados no meio, naquela parte onde só o bumbo da bateria pede as palmas da platéia marcando o compasso. Ok, golpe sujo, mas sempre funciona. E como se questionando por que a boa música que temos a sorte de presenciar parece ter se escondido, encerram com Whatever Happened To My Rock ‘n Roll (Punk Song). Nick dirige-se à platéia com a mão apontando uma luva com um revólver desenhado, mas a brincadeira não surte efeito. As músicas nos alvejaram muito mais profundamente.
Longos dez minutos se passam, quando a banda retorna com Took Out A Loan. Mais seis músicas, a mesma dedicação, a mesma resposta esfuziante. Lembro-me de quando eu conheci a banda, por meio de uma amiga paulistana, famosa blogueira. Ela me disse ter se deixado enamorar do BRMC pelo refrão “Eu me apaixonei pela doce sensação / Eu dei meu coração para um simples acorde / Eu dei minha alma para uma nova religião”. Pois se diga isto a cada um dos presentes no show do La Trastienda e com certeza se verá total anuência.
A banda vive se debatendo com questões metafísicas e religiosas ao longo dos 4 álbuns, com o estado da alma e a possibilidade de salvação. Não à toa, terminam de vez o show com Salvation e Heart + Soul, após um total de 2:10h (!!!) no palco. Mais do que uma idéia fixa ou mera carolice cristã, os fãs do BRMC presentes podem compreender perfeitamente a preocupação da banda com suas almas, constatando o quanto fazem para deixar mais elevadas as nossas.
SETLIST:
Love Burns
Berlin
Shuffle Your Feet
Stop
Ain't No Easy Way
Weapon Of Choice
In Like The Rose
Red Eyes And Tears
Awake
American X
Fault Line
Restless Sinner
Mercy
666 Conducer
Spread Yor Love
Need Some Air
Six Barrel Shotgun
Whatever Happened to my Rock
'n Roll (Punk Song)
BIS:
Took Out A Loan
All You Do Is Talk
Rifles
Steal A Ride
Salvation
Heart + Soul