AMARGO REGRESSO
Eis que me encontro no ultimo dia de minha jornada, triste porque ja comeco a trabalhar no dia seguinte ao da minha chegada (terca-feira em terras cariocas, gracas a Deus), radiante pelo ultimo mes que parece ter sido um ano, de tanta coisa que fiz (e que mostra o quanto meu tempo eh mal-aproveitado no Brasil), ansioso pra ler, escutar, mostrar tudo o que comprei. Mais um longo dia a partir das 5:30 da manha, quando ja tenho que pegar o onibus para o aeroporto, depois Londres - Madri - Rio. Assim, eh uma incognita saber se este sera meu ultimo post em solo europeu. Vai depender das linhas aereas e seus costumeiros atrasos.
Depender da Ryanair eh mais ou menos como pedir pra um trombadinha dar uma olhada na sua carteira enquanto voce vai mijar. Acho que jamais comprarei uma passagem nela novamente. Tem a Easyjet, ne? Eh como o Insetisan, um pouco mais caro, ahhhhhhhh, mas eh muito melhor!!! Na minha viagem a Bruxelas, o pesadelo ja se pronunciou no embarque: a fila de pais com criancas pequenas, a entrar primeiro no aviao, tinha mais de trinta pessoas! Nao so isso, como as poltronas nao tinham bolsa na frente para documentos e nao reclinavam!!!!!! E o voo entao? Alem dos atrasos que chegaram a uma hora e meia (de Londres pra ca), o trajeto ate a aterrissagem (ou seja, voo manual e nao automatico) eh uma especie de bem-me-quer/mal-me-quer: asa esquerda, trem de aterrissagem, asa direita, trem, asa esquerda.. e por ai vai. Com sorte, aterrissa no trem.
Domingo de sol em Dublin, apesar do frio ainda constante. Junte-se o ocio e tedio de fim de viagem e minha vontade inexistente de percorrer o interior da Irlanda (fodam-se castelos e verde, eu nao quero mais tirar foto ou gastar), dia perfeito para descanso, ler algumas revistas que serao deixadas para tras e fazer piquenique no St. Stephen's Green. Brie, bagels, chips e mais experimentos com refrigerantes bizarros locais. Desta vez, um de maca, Cidona (nada a ver com o Muse). O ritual de preparacao para encarar essas misturas eh o mesmo do velho comercial do Teen. Teen era um refrigerante de limao que fazia time com o Crush (laranja) e o Mineirinho (xarope) e passava na TV, nos anos 80, um comercial em que um cauboi entrava no saloon em meio a uma tempestade de areia no deserto e pedia no balcao, para o espanto geral, um saco de batatas-fritas. Comecava a comer e a camera focalizava seus labios ja rachados e o sal voando das batatas mordidas. Realmente angustiante, dava secura so de pensar. Ai ele pedia um Teen e vinha aquela garrafa com gotas molhando a superficie, ultra-gelada, que ele virava de uma vez. Boa publicidade, sempre dava vontade de tomar um. Assim, eis-me a encarar um saco inteiro de salt and vinegar chips antes de tomar a maldita bebida. Porra, e nao eh que o negocio eh bom? Uma cidra sem alcool, mesmo depois que o sal se diluiu, continuou o gosto bom. Aprovado.
Ainda agora, um guarda de transito (a Garda local) encarnava o finado Margarida ao dar pulinhos de bicha louca quando um carro parou em cima da faixa. Eu, hein, mona, relaxa. Comprei mais tres numeros da Specialten, uma aparentemente otima revista britanica em forma de DVD, com entrevistas, videos musicais (Hot Chip, Zero 7, Beck, Test Icicles, Cat Power, entre outros) e curta-metragens. So vou saber mesmo quando chegar em casa, no entanto. E haja mala pra trazer isso tudo.
Essa sensacao de dia livre com tempo de sobra eh muito boa, e foi assim que acordei ha dois domingos, 20/08, para o segundo dia do V2006. Cheguei cedo ao site e ainda dei uma circulada para ver as camisetas das bandas. Hora de comecar a loteria pra ver quais bandas desconhecidas assistir. O programa do festival ajudou, evitei tudo o que dizia "lembra Coldplay". Ai fui conferir o Rushmore. Duas musicas de folk-rock e vazei. Nao fode. Cheguei a tempo de pegar umas tres musicas do The Milk Teeth. Legal, power-pop com influencia dos anos 50. Tem futuro. A banda seguinte, Director, foi otima tambem. Daqui de Dublin, pos-punk, soa um pouco como Interpol, mas como se fosse os Smiths, e nao Joy Division, a principal influencia. Eles vao abrir pro Maximo Park mes que vem, aqui.
Dei um pulo na tenda JJB/Puma pra conferir o Phoenix, boa banda francesa. Mas quem ouviu o remix "25 Hours a Day" para "Long Distance Call" viu que eh melhor do que a original. O Pure Reason Revolution ainda estava tocando, deu pra pegar duas musicas do final. Dificil definir o som da banda, tem elementos de prog e psicodelia, com uma pegada grunge na guitarra. E fiquei sabendo que o Phoenix cancelou a apresentacao. Merda. Voltei pro palco do meio para ver o fim do Biffy Clyro. Ja os tinha visto no Reading 2002 e o som nao mudou nada, um hardcore melodico (nao confundir com emo) eficiente e pegajoso. Meia hora para comer um kebab e me preparar para a primeira grande espera do dia.
Claro, estou falando do Kula Shaker. Nao que eles sejam exatamente relevantes agora, mas eh algo curioso ver uma banda sobre a qual voce costumava ler muito ha 10 anos, antes de sequer imaginar que estaria vendo festivais no estrangeiro no futuro. E esta banda sumiu sem voce te-la visto e eis que volta do fundo do poco (frase utilizada pelo Crispin Mills ao abrir o show). Se sumiu pela fraca presenca do "Peasant, Pigs and Astronauts" ou se pelas declaracoes infelizes de cunho nazista de Crispian, nao se sabe, mas quando o show comeca com "Hey Dude", perdoa-se o ostracismo e todo mundo comeca a pular. A banda mostra seu rock setentista com pitadas de musica indiana por apenas 45 minutos, mas a nova "Dictator of The Free World" e "Tattva", cantada em coro, demonstram que a banda ainda mantem seu publico e bota muito estreante no saco. Valeu, valeu. Mas eu queria ter ouvido "Smart Dogs".
Um pequeno descanso e comeca o show do Orson. Curioso, em estudio eu tinha achado a banda legal, mas ao vivo parece coisa de mulherzinha, tipo Keane ou The Kooks. Nao sei o que pensar, mas eu comecei a encher o saco daquele som. Parti pra tenda Union pra esperar os Young Knives. O sucesso repentino do single da banda eh tao grande que pouco apos sentar no chao pra esperar o show, os segurancas fecharam a tenda, proibindo a entrada de mais gente. Quando comecou, no entanto, apesar dos aplausos, pouca gente comprou o pos-punk esquisito e estridente do trio de verdade. "Weekends And Bleak Days" eh uma daquelas musicas que sobressaem tanto num album que o resto chega a ser meia-boca. E salvo quando eles a tocaram, para urros gerais, a recepcao foi morna na execucao das musicas, com aplausos e gritos de reconhecimento ao final de cada uma, mas sem a mesma empolgacao. Banda pra palco pequeno.
Corrida para o palco principal, pois em dez minutos, comecaria o show do Bloc Party. Espremido no meio da galera, acabei pegando um pouco da unica chuva que cairia naquele dia (felizmente). Mas um pouco a toa, ja que, tirando a primeira musica, "Welcome To The 718", eles basearam o show no primeiro album. Fiquei um pouco desapontado. Festival eh faca de dois gumes: ou a banda joga pro publico ou mostra material novo. Eles resolveram agradar as massas. Ja tinha visto dois shows deles, queria ouvir as novas ao vivo. Mas nao se pode reclamar muito quando a energia de "Two More Years" e "Helicopter" coloca todo mundo pra tirar os pes do chao. Preferia um palco menor, no entanto.
De volta ao palco do Channel 4 pra ver de novo o We Are Scientists. Os Cardigans estavam terminado de tocar e foi anunciado que um dos integrantes dos Ordinary Boys tinha sido hospitalizado e a banda nao se apresentaria mais. A principio, nao gostei, porque queria dar uma conferida no show e ver ate que ponto o sucesso do Preston na Casa dos Artistas local afetou a banda. Mas este cancelamento acabou por dar mais tempo para as duas bandas seguintes, o W.A.S. e o Editors. A primeira faria um show maior e a segunda teria mais tempo para arrumar o palco. Acabaria por influenciar e muito na diversao do publico.
Barulho de motos e entram Keith, Chris e Michael de capacete, "pilotando" tres pequenos triciclos, com casacos iguais, meio que um uniforme (Beastie Boys, alguem?) . Comecam de novo com "Lousy Reputation", mas a agitacao e empurra-empurra aqui sao bem maiores do que no Pukkelpop. Desta vez tocam todo o album, tres musicas novas e"This Means War" de novo (o Keith zoa a plateia porque eles acabaram de vibrar com um lado-B e da risada). O show alongado da margem a piadas por parte de todos, espirituosos que sao. Nao acredita? Veja o website deles. E os videos, principalmente a primeira versao de "It's a Hit". Chris sugere que cada um suba no ombro da pessoa a sua frente, assim se formara uma grande parede e todo mundo vera o show da primeira fila. Duh. Keith agradece aos Editors por terem emprestado as guitarras e diz que por isso o show sera 25% melhor. E diz em seguida que o palco em que estao seria o melhor do festival se o Bloc Party nao estivesse no palco principal. Ai emenda dizendo que vai corrigir isso e chama Russell do BP pra tocar guitarra em "Nobody Move". A multidao vai ao delirio. Depois eu coloco o videozinho aqui. A banda encerra com "The Great Escape" e sai de novo em seus triciclos, ao som de motos possantes. Otimo show, melhor do que o do Pukkelpop, mostra que a banda vai longe com esse carisma.
O ceu ja esta completamente azul, espantando de vez a chuva, mas vai anoitecendo e alguns DJ`s colocam som para preencher o resto do tempo deixado pelos Ordinary Boys, enquanto arruma-se o palco para o proximo show. Um painel enorme com lampadas incandescentes gigantescas ocupa o fundo do palco, o prenuncio do que seria o melhor espetaculo do festival, o dos Editors. Talvez influenciado pelo fato de a banda ser da regiao (Birmingham eh ao lado de Staffordshire), o publico eh feroz na reacao as musicas. Comecando com "Someone Says" e desfiando todo o conteudo do "The Back Room", foi a primeira apresentacao do V em que vi uma banda dar tudo de si, como se a musica nao fosse o suficiente, principalmente nas caras, bocas e contorcionismos de seu vocalista Tom Smith, numa performance que beira o emo. Foge do caricato somente porque passa a impressao de que a banda realmente acredita no proprio talento, aqui justificado do primeiro ao ultimo urro da plateia. Eh nesse ponto que uma banda se supera e foi isso o que o Editors fez. No momento final do show, convidou os caras do W.A.S. para fazerem o corinho de "follow me, don't follow me" na cover de "Orange Crush", do R.E.M.. E encerraram gloriosamente com "Fingers In The Factories", uma das melhores do album. Memoravel.
Como ja havia dito, ver o Radiohead mais uma vez, dois dias depois, estava longe dos meus planos. Quem sabe da proxima vez. Ficou com o Kasabian entao a responsabilidade de fechar bem a minha noite. Seria o quarto show deles a que assistiria, o primeiro com as musicas do novo album, "Empire". Desde quando baixei os primeiros singles e os vi abrindo o V2004, ao meio-dia (isso mesmo!!), sabia que eles seriam grandes, como ate disse no meu finado flog. E eis que, com toda a pompa e auto-confianca que colocariam o Oasis no jardim de infancia, vem mostrar porque sao headliners e, ao mesmo tempo, amados por muitos e odiado por tantos. Pra terem uma ideia de como algumas pessoas veem mal o Kasabian, durante o show do Art Brut, quando Eddie Argos cita nomes de bandas em "Top Of The Pops", eh depois do nome deles que vem as vaias.
Tom Meighan aparentemente esta cagando para os detratores, como prova ao entrar empunhando o microfone como um rei e seu cetro, na abertura com a nova "Shoot The Runner". Em seguida, "Reason Is Treason". Nao preciso dizer que fui esmagado de todas as formas possiveis, na minha insistencia em assistir da frente. Paciencia, fiquei de cara vendo a banda detonar seus principais hits, junto com as otimas musicas do novo album, assumindo de vez que querem ser o Primal Scream circa "XTRMNTR". Fodaco. Quem duvida ainda que eles vao dominar as paradas deveria ouvir o publico saindo feliz depois do show, ainda a cantarolar o "laaaaa la la" do fim de "L.S.F.", que fechou o bis. Na saida, ainda tive a felicidade, so pra fechar o circulo, de presenciar, no palco principal, o Radiohead tocando "Creep", que tinha ficado de fora no Pukkelpop. Final perfeito.
Viagem perfeita, apesar dos importunos e imprevistos. Posso estar enganado, mas acho que so posto do Rio.
See ya then. Vou dormir cedo. Nada de balada.